Sustentabilidade: você consegue viver dentro dessa rosquinha? (V.2, N.7, P.3, 2019)

Tempo estimado de leitura: 11 minute(s)

Divulgadoras da Ciência: Juliana Bloch Fakri e Natalia Pirani Ghilardi-Lopes

 

Universidade Federal do ABC, Centro de Ciências Naturais e Humanas.

 

jubloch@hotmail.com / natalia.lopes@ufabc.edu.br

 

Sim, você não entendeu errado: viver dentro de uma rosquinha. Mas o que isso tem a ver com sustentabilidade? E com as manchetes das reportagens acima? O que as manchetes possuem em comum sobre sustentabilidade? Pense um pouco…percebeu algo?

 

Se sim ou se não, agora é nossa vez…Normalmente, é comum associarmos o termo “sustentabilidade” à reciclagem de lixo ou à economia de água e acabamos tendo uma ideia reduzida do que realmente significa o termo.

 

A palavra “sustentabilidade” é relativamente nova, mas a sua prática é antiga. Uma ideia inicial desse conceito surgiu no início do século XVIII, por Carl Von Carlowitz, que era contador e administrador de uma mina. Em seu livro “Sylvicultura oeconomica” (1713), ele propôs que se cortassem apenas “tantas árvores quanto poderiam voltar a crescer através do reflorestamento planejado”. Assim, uma primeira ideia de sustentabilidade ambiental havia sido proposta.

 

Apesar desse assunto estar em pauta há mais de 250 anos, foi somente em 1987 que a Comissão de Brundtland definiu o conceito “desenvolvimento sustentável”: satisfazer as necessidades da geração atual, sem comprometer a capacidade das gerações futuras satisfazerem suas próprias necessidades. Em 1992, o termo sustentabilidade foi ampliado em relação ao termo anterior, passando a incluir a ideia de se aliar a proteção ambiental ao desenvolvimento econômico. Nesse momento, a sustentabilidade também passou a abranger a luta contra a pobreza e a distribuição justa dos recursos como uma das prioridades da Agenda 21 da Organização das Nações Unidas (ONU).

 

Você pode estar se perguntando: mas, e a rosquinha? Calma, estamos perto!

 

Bem, entender sustentabilidade é compreender a dinâmica formada pelos três pilares que sustentam esse conceito: o econômico, o ambiental e o social. Uma representação comum deste conceito até 2012 era a figura de três círculos parcialmente sobrepostos (FIGURA 1, esq.), cada um representando um dos três pilares que envolvem os aspectos centrais da sustentabilidade, a qual estaria na zona de interseção entre eles.

 

Figura 1: À esquerda, as três dimensões da sustentabilidade utilizando círculos que se sobrepõem parcialmente. À direita, uma dimensão (economia) sendo superestimada em relação às demais. Modificado de: MOREIRA, GOMES e FIGUEIRA, 2012.

 

Você percebe algum problema nessa representação?

 

Pois bem, nessa perspectiva em que se desenvolveu o conceito de sustentabilidade, o meio ambiente serve de suporte para a promoção da economia e não impõe limites para a sociedade. Essa representação possui um problema fundamental, transmitindo a ideia de independência e interação apenas parcial entre as três dimensões. Dessa forma, qualquer uma das três dimensões nessa representação poderia ser sub ou superestimada, a depender dos interesses de diferentes grupos ou atores sociais (FIGURA 1, dir.).

 

Outros conceitos de sustentabilidade levam em conta outras dimensões além das três aqui relatadas. Por exemplo, para Artur Pawlowski, em seu trabalho publicado em 2008, o desenvolvimento sustentável envolve sete dimensões: ambiental, social, moral, econômica, legal, técnica e política, mas aqui vamos nos ater à três principais (ambiental, social, econômica).

 

Recentemente, a economista Kate Raworth, na Confederação Internacional Oxfam, ressignificou a interação dos pilares da sustentabilidade a partir de um quadro visual em forma de uma rosquinha ou anel (donut), como mostra a figura 2 abaixo:

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Figura 2: Modelo Donut proposto por Raworth (2017) Disponível em: https://pagina22.com.br/2012/06/12/entre-o-piso-social-e-o-teto-ambiental/ Acesso: 08/06/2019.

 

Nesta nova representação, a dimensão social, considerada o anel interno da rosquinha, representa os recursos necessários para o desenvolvimento humano saudável, quais sejam: água, alimento, cuidados de saúde, educação, renda, democracia, voz ativa, equidade social, igualdade de gênero, moradia, emprego e energia. Já a dimensão ambiental, proposta no anel externo da rosquinha, representa o planeta em que vivemos, naturalmente limitado em sua capacidade para nos prover recursos e serviços essenciais à vida, no que chamamos “fronteiras planetárias”, termo proposto em 2009 por Rockström e colaboradores.

 

Seriam nove as fronteiras ambientais que não podemos ultrapassar se quisermos manter as condições da Terra adequadas para a existência humana: mudança climática, perda da biodiversidade, uso de água doce, acidificação dos oceanos, mudanças no uso da terra, depleção da camada de ozônio estratosférico, ciclo do nitrogênio e fósforo, concentração de aerossóis atmosféricos e poluição química.

 

Essas fronteiras foram definidas tendo como base as condições da época geológica denominada Holoceno, na qual a espécie humana surgiu e se desenvolveu até os dias atuais. As mudanças causadas pela espécie humana no planeta, inclusive, vem fazendo com que alguns estudiosos geólogos proponham uma nova época, que seria denominada Antropoceno, na qual o ser humano seria a principal força geológica de mudança. Entre os dois limites da rosquinha ou donut (o limite social e o ambiental) encontra-se uma área que “representa um espaço ambientalmente seguro e socialmente justo para a humanidade desenvolver-se. É também um espaço no qual o desenvolvimento econômico inclusivo e sustentável ocorre”, descreve Raworth.

 

E é aqui que chegamos na rosquinha, é no intervalo entre esses dois limites que precisamos construir nossa prosperidade. Você sabe se aqueles que estão a sua volta vivem abaixo do necessário social ou além do possível ambiental? Você tem certeza de que vive dentro da rosquinha?

 

É nesse ponto que a rosquinha vira bússola e permite orientar os limites a que estamos sujeitos. A forma como vemos e descrevemos o mundo impacta nossas vidas. As teorias vigentes sobre a natureza, sociedade e economia são como mapas que nos guiam para a forma como devemos lidar com a vida.

 

Como é o seu modo de vida? Qual é o seu estilo de vida? Qual é o seu padrão de consumo?

 

Ao ler essas perguntas, você pode ter se questionado: “Mas, meu padrão de consumo faz diferença?” E a resposta é: “Faz sim!” Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), hoje são aproximadamente 7,6 bilhões de pessoas se vestindo, alimentando-se, locomovendo-se e se abrigando em área urbanas, sendo essas áreas responsáveis por 60% a 80% das emissões de gases de efeito estufa (GEE), 75% de consumo de recursos naturais e 50% da geração de lixo. Se mantivermos o padrão atual de crescimento econômico e de consumo, até 2030 precisaremos de 2 planetas Terra para satisfazer nossa demanda por recursos, os quais se tornam cada vez mais escassos. Em 2015, a ONU elaborou um novo documento intitulado “Transformando Nosso Mundo: A Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável”, que consiste em uma Declaração que inclui 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) (FIGURA 3) e 169 metas. Os ODS focam em duas principais áreas: social e ambiental e estão ancorados em 5 principais dimensões entrelaçadas: pessoas, planeta, prosperidade, paz e parceria. Os ODS pretendem responder a novos desafios e são indivisíveis: as metas ambientais não podem ser alcançadas sem as sociais e vice-versa.

Figura 3: Objetivos de desenvolvimento sustentável da ONU. Disponível em: http://www.itamaraty.gov.br/pt-BR/politica-externa/desenvolvimento-sustentavel-e-meio-ambiente/134-objetivos-de-desenvolvimento-sustentavel-ods. Acesso em 18/06/2019.

 

Talvez você nunca tenha parado para pensar o quanto seu padrão de vida e de consumo se relaciona com a economia e o desenvolvimento da humanidade, não é mesmo? É importante dizer que existe uma confusão cotidiana entre o que é “economia” e o que é “mercado”, sendo que muitas vezes o mercado é considerado como se fosse sinônimo de economia. Estamos viciados em slogans de crescimento econômico e acreditamos que crescer é o mesmo que desenvolver, mas é necessário que desacoplemos esses dois conceitos e pensemos em “economias sustentáveis”, nas quais é possível inclusive decrescer economicamente ao mesmo tempo em que nos desenvolvemos.

 

Repensar seu consumo e seu estilo de vida afetará a qualidade de vida das próximas gerações, como seus filhos e netos no planeta.

 

Por onde devemos começar, então?

 

Pequenas atitudes já podem fazer bastante diferença, como: descartar corretamente os resíduos, ou seja, promover a reciclagem e exigir da prefeitura de sua cidade a coleta seletiva na sua rua; optar por fontes de energia mais sustentáveis, como a energia solar; pesquisar empresas que se preocupem com a sustentabilidade social e ambiental e optar por essas na hora da compra; organizar bazares de trocas de roupas entre os colegas, evitando assim o consumo desnecessário; recusar o consumo de produtos ilícitos que não são fiscalizados quanto ao uso de recursos naturais ou que sejam provenientes de mão-de-obra escrava; preferir produtos de produção familiar aos de grandes empresas; comprar apenas os alimentos que de fato for consumir, não permitindo o desperdício alimentar dentro de sua casa.

 

Esse texto fez você se preocupar com seu modo de vida? Quer calcular a quantidade de natureza necessária para manter seu estilo de vida?

 

Então, conheça sua Pegada Ecológica. A Pegada Ecológica mede a quantidade de recursos naturais renováveis necessários para manter nosso estilo de vida. Para saber a sua, basta responder questões sobre os temas “alimentação”, “moradia”, “bens”, “serviços”, “tabaco” e “transporte”. Ao final, você saberá quantos planetas seriam necessários para suportar o seu estilo de vida. Segue link abaixo para você testar sua Pegada Ecológica!

 

Fonte: © WWF-Brasil

 

Teste sua Pegada Ecológica: http://www.suapegadaecologica.com.br/

 

Assim, conhecendo o seu rastro pelo planeta você poderá exercitar um novo padrão de vida e com a reflexão sobre nossas atitudes podemos começar a pensar num mundo melhor e que caiba dentro da rosquinha…

 

Imagem destacada: http://g1.globo.com/am/amazonas/amazonas-tv/videos/t/edicoes/v/reciclagem-de-lixo-gera-renda-e-sustentabilidade-em-manaus/7152710/http://g1.globo.com/pr/parana/videos/v/reportagem-sobre-sustentabilidade-mostra-como-reutilizar-agua/2122058/

 

Referências:

 

BOSSELMANN, K.; ENGEL, R.; TAYLOR, P. Governance for sustainability: Issues, challenges, successes. IUCN, 2008.

 

MOREIRA, M; GOMES, R. C.; FIGUEIRA, R. L. O Modismo da Sustentabilidade no Século XXI: Uma Reflexão de Conceitos. Revista Fluminense de Extensão Universitária, v. 2, n. 2, p. 37-52, 2012.

 

PAWLOWSKI, A.  How many dimensions does sustainable development have? Sust. Dev., 16: 81-90, 2008.

 

RAWORTH. Doughnut economics: seven ways to think like a 21st-century economist. Chelsea Green Publishing, 2017.

 

WWF (World Wide Found for Nature). O que é desenvolvimento sustentável? Disponível em: https://www.wwf.org.br/natureza_brasileira/questoes_ambientais/desenvolvimento_sustentavel/ Acessado: 16/06/2019.

 

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2 Resultados

  1. SUZANA PELOSI disse:

    Aí filhota fiz 51, adorei o texto

  2. gisele Alves Villar disse:

    Muito bom, parabéns

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