O que um produto médico precisa ter para poder ser comercializado no Brasil?

Logotipo da ANVISA. Fonte: Anvisa.

Em 22 de outubro de 2001, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), recém-criada, publicou a Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) n. 185, que regulariza os produtos médicos comercializados no Brasil. Nesta Resolução, a Agência estabelece alguns dos diversos requisitos técnicos necessários para que os fabricantes garantam a segurança e eficácia de seus produtos para saúde. Desta forma, todos os materiais e equipamentos médicos só podem ser comercializados no Brasil se atenderem a uma série de exigências e comprovações técnicas, e se a empresa responsável for portadora do registro do produto junto à ANVISA (apesar de importante, é um processo caro, burocrático e que pode demorar mais de um ano, por produto).

O que mudou no controle da ANVISA sobre os produtos comercializados no Brasil após a pandemia do Novo Coronavírus?

Em 23 de março de 2020, a ANVISA publicou no Diário Oficial da União, a RDC n. 356, buscando flexibilizar temporariamente a importação e comercialização de produtos médicos específicos para a luta contra o Novo Coronavírus. Se por um lado a flexibilização possibilitou aos hospitais adquirir os produtos conforme a demanda crescente de casos da doença, por outro há quem tenha buscado brecha para as irregularidades. 

Não se pode fabricar produtos para saúde sem os métodos de Boas Práticas de Fabricação corretos, tampouco podem ser fabricados produtos que não atendem às normas técnicas (ABNT, NBR, ISO, RDC 56/2001 e outras), que garantem sua segurança e eficácia. Embora a RDC 356 faça luz às regulamentações obrigatórias, o que se observa em diversos cantos do país é a produção artesanal de produtos sem as condições mínimas e essenciais para que se possa produzi-los. Tampouco de garantir a segurança ao usuário. Desta forma, de que adianta a boa intenção destes produtores, se os riscos da prática leiga ou irresponsável também pode trazer danos ou riscos à saúde?

Qual o impacto do Novo Coronavírus na indústria médica?

Reprodução: Emerson BR.

 

No Brasil, existem hoje centenas de empresas que fabricam e comercializam produtos médicos, conforme a legislação vigente. Basta uma olhada rápida no Diário Oficial da União, em suas edições suplementares semanais, para se ter ideia do tamanho da concorrência. A regularização obrigatória é burocrática e técnica, e investir neste setor sempre envolve custos inicias elevados.

Para uma empresa de pequeno porte, por exemplo, dependendo da classificação de risco de um único equipamento eletromédico, o custo para aprová-lo no Brasil pode ultrapassar cem mil reais, envolvendo Certificado de Boas Práticas de Fabricação, Certificado INMETRO e o registro ANVISA, sem contar os gastos de mão de obra, desenvolvimento, pesquisa, estrutura física, autorização de funcionamento, dentre outros. 

Neste cenário, o pequeno empresário sempre sai perdendo, uma vez que alguns custos de certificação não se diferem entre o porte da empresa, tornando a concorrência bastante difícil.

Diante disso, enganam-se aqueles que pensam que a maior circulação de produtos médicos para combater o Novo Coronavírus vai tornar todas as empresas médicas ainda mais ricas. A pergunta correta a se fazer é: Quais empresas ficarão mais ricas com a crise? O que acontecerá com os produtos médicos que não fazem parte daqueles utilizados na luta contra o Novo Coronavírus?

Com certeza as empresas que produzem ventiladores pulmonares, ou mesmo testes rápidos para a doença, possuem perspectivas de mercado muito maiores do que aquelas que fabricam produtos médicos em outros segmentos. E nem por isso, pode-se dizer que é uma vantagem real, pois apesar dos recentes investimentos públicos para o combate à doença e aquisição de produtos médicos, vale lembrar que estes são muito caros e na maioria das vezes precisam ser importados.

Como será o comércio de produtos médicos após o Novo Coronavírus?

Os hospitais, em grande maioria, podem demorar um bom tempo para conseguir reestruturar-se financeiramente para a aquisição de novos produtos médicos, com novas tecnologias. As inovações, geralmente com maior valor agregado, poderão levar muito mais tempo para serem comercializadas no país.

Facilmente equipamentos médicos custam unitariamente acima de cem mil dólares. A crescente desvalorização do real frente ao dólar e ao euro prejudica a venda das empresas multinacionais (o que significa atraso tecnológico), e engana-se quem acredita que as empresas nacionais sairiam ganhando com facilidade, pois o próprio período de recessão mundial poderá afetá-las, dada a maior fragilidade econômica frente às gigantes da área médica. Desta forma, até mesmo no setor da saúde, o impacto será imenso, inclusive no pós-Coronavírus.

Desvalorização do real frente ao dólar: análise realizada em Dezembro de 2019. Reprodução: G1 – Globo.

Quais as ações das universidades e o desenvolvimento de novos materiais e equipamentos médicos para suprir a demanda durante a crise?

Inicialmente, vale ressaltar que a ANVISA pode ter facilitado a comercialização e inclusive doação de produtos médicos para hospitais. Mas ela não se desfez da obrigatoriedade da regularização destes produtos. Todas as normas e exigências da Agência são claras a respeito da obrigatoriedade do fabricante em relação ao cumprimento das normas nacionais e internacionais de segurança e eficácia dos produtos médicos. O fabricante do dispositivo é responsável caso o produto cause algum dano ao paciente e ao usuário! 

Desta forma, como mencionado anteriormente, a boa intenção não se sobressai à necessidade se fazer o que é certo! Os produtos devem ser seguros, testados e aprovados, seguindo rigorosamente as normas de ensaios clínicos, mecânicos e elétricos. 

A emergência de se obter produtos que auxiliem na luta contra a doença não pode se sobressair à razão e aos cuidados. As universidades possuem o ritmo delas para produzir novas tecnologias e pressioná-las em meio à crise traz mais malefícios do que benefícios. 

Somente uma proposta de investimento contínuo e um plano de valorização do desenvolvimento científico nacional de longo prazo é que poderá tornar o Brasil capaz de superar crises tão complexas e desafiadoras como a que vivemos hoje.

Escrito por Thales Liferson da Silva.

 

Referências dispostas através de hiperlinks no texto.