A pandemia causada pelo Novo Coronavírus já extrapola o grandioso número de três milhões de infectados ao redor do mundo. Entre países, diversos tipos de estratégias são utilizadas e requeridas: umas mais efetivas que outras. Contudo, ao mesmo tempo e em passos largos, a desinformação sistêmica assume posições de importância, sobretudo no que concerne às questões de tratamento e possíveis curas da COVID-19.

Há semanas, tivemos o compartilhamento massivo de informações acerca da eficácia, no tratamento do Novo Coronavírus, de um medicamento muito conhecido. A hidroxicloroquina, utilizada no tratamento da malária e de algumas doenças autoimunes, foi eleita por demanda popular como a grande salvadora da crise que nos assola. Inúmeras pessoas esvaziaram farmácias em busca de uma proteção efetiva contra a COVID-19. O resultado? Centenas de mortes causadas por seus potentes efeitos nocivos quando administrada em doses não-prescritas.

Entre os mais recentes casos da desinformação científica que assola o mundo, um chamou atenção de toda a comunidade científica, sobretudo a dos Estados Unidos da América, na última semana. Veiculada por meios políticos oficiais, foi colocado em pauta o uso de desinfetantes e detergentes por meio de administração oral ou injetável no combate ao Novo Coronavírus. Ironia ou não, tal declaração, segundo os Jornais ABC News e The New York Times, levantou uma luz vermelha de alerta nos pesquisadores e hospitais de toda comunidade estadunidense, com mais de 30 pessoas sendo hospitalizadas pela ingestão de detergentes, cloro ativo e afins em Nova York e mais de 100 ligações de emergência recebidas no Estado de Maryland.

Agentes desinfetantes. Fonte: Dia a Dia, Governo do Paraná.

Não é de se espantar que o uso desses compostos são extremamente nocivos ao corpo humano; todavia, como o corpo interage quando estes são administrados dessa forma?

Os detergentes e desinfetantes são excelentes ferramentas para a desintegração de estruturas de microrganismos que podem ser nocivos ao corpo humano; devido suas características químicas divergentes, estes podem atuar de diferentes formas, por vezes destruindo alguma parte importante de algum agente causador de doença ou até mesmo o inativando de suas funções.

Em relação aos detergentes, estes possuem uma estrutura química muito interessante: uma parte dela interage muito bem com lipídios (gorduras), enquanto a outra parte interage de modo efetivo com a água. As membranas protetoras dos microrganismos, sendo eles vivos (como bactérias, fungos etc.) ou ‘no limite da vida’ (vírus) são, quase que exclusivamente, formadas por lipídios; assim, ao entrar em contato com um detergente, a membrana se liga fortemente a sua estrutura, desestabilizando-se e sofrendo uma quebra, matando ou destruindo o microrganismo; o restante é feito pela interação do detergente com a água corrente, que se ligam e levam a estrutura embora.

Fonte: Do autor.

A ação de desinfetantes, como os derivados do cloro, é mais reativa. A reação que ocorre entre as estruturas de uma molécula clorada, como o hipoclorito de sódio (amplamente utilizado na limpeza doméstica e industrial) e os microrganismos, vão além da desestruturação de suas membranas protetoras. Ao entrar em contato com o microrganismo, essas moléculas realizam um processo químico-biológico chamado oxidação: a oxidação inibe as funções de muitas proteínas presentes no patógeno (patógeno: aquele que causa doença), além de impedir os processos que garantem a manutenção da vida, como os que disponibilizam energia ao ser, processos de alimentação, excreção e até mesmo a manutenção da informação genética, vital para todo organismo vivo ou vírus.

Então a ingestão desses produtos não seria algo bom para o combate do Novo Coronavírus? 

Em alto e bom som, toda a comunidade científica diz: não. E é justamente devido a essa efetividade que esses agentes químicos podem trazer tantas complicações caso sejam ingeridos.

O corpo humano, assim como a estrutura corpórea de todos os animais, é formado por células, unidades biológicas primordiais de todo ser vivo. As células são estruturadas justamente por essas membranas protetoras, além de terem proteínas, informação genética, ou seja, tudo que garante sua vida e sua organização em um ser complexo, como o ser humano.

Estrutura de uma membrana celular. Fonte: Adaptado de Sigma Aldrich.

A ingestão de detergentes, assim, traz o mesmo efeito primário: desestruturação da membrana celular e morte das células, fator que pode trazer a uma falência dos órgãos aos quais tiverem contato com o detergente, como o estômago e intestino. Além disso, o detergente, por ter alta afinidade com lipídios, pode desestruturar a camada de proteção existente no estômago, denominada mucosa estomacal, possibilitando assim o contato direto do suco gástrico, extremamente ácido, com a parede do estômago, podendo causar úlceras neste órgão.

Já a ingestão de compostos clorados pode trazer efeitos ainda mais complicados à saúde humana. Sendo estes altamente reativos, os compostos com cloro entram em contato com os órgãos causando, em primeira instância, corrosão de suas camadas. A alta reatividade do cloro com o oxigênio (que inspiramos constantemente) origina compostos ainda mais corrosivos, realizando perda total das funções celulares dos tecidos do corpo atingidos; além disso, a utilização do oxigênio pelo cloro diminui sua concentração no corpo, causando um aumento abrupto dos batimentos cardíacos, podendo desencadear um colapso de todo o coração.

E por que utilizamos esses produtos como proteção contra o Novo Coronavírus?

Inicialmente, a recomendação química dada é para a não utilização de compostos derivados do cloro na higiene pessoal. Por terem natureza química altamente reativa, podem causar efeitos danosos na pele, como dermatite de contato. 

A pele humana é estruturada por camadas de células, chamada epiteliais, em diferentes níveis de distribuição. Além disso, acima da camada de células epiteliais vivas, há sempre uma camada de células epiteliais mortas, diminuindo ainda mais o contato entre ambiente e os tecidos vivos do corpo. Assim, apesar de usarmos detergentes, sabões e sabonetes para a limpeza da nossa superfície corporal, sua ação atinge apenas os microrganismos encontrados na camada mais externa da pele, desestruturando e levando embora apenas o que é importante: vírus, bactérias, sujeiras e células mortas, nos protegendo da ação de qualquer tipo de microrganismo, inclusive do Novo Coronavírus.

Escrito por Leandro Teodoro Júnior.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ABC News. Maryland agency receives more than 100 disinfectant use calls. Disponível AQUI.

ALBERTS, B. et al. Biologia Molecular da Célula. 6 Ed. Porto Alegre: ArtMed, 2017.

BBC. Man dies taking fish tank cleaner as virus drug. Disponível AQUI.

BRUCE, K. BERNE & LEVY – Fisiologia. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2018. 

JOHN HOPKINS – University and Medicine. COVID-19 Map. Disponível AQUI.

The New York Times. Please. Do not eat disinfectant. Disponível AQUI.