Em 11 de Março de 2020, a Organização Mundial da Saúde, OMS, declarou que vivemos sob uma pandemia do Novo Coronavírus, o SARS-CoV-2 (sigla para Severe Acute Respiratory Syndrome by CoronaVirus-2 ), cuja doença foi chamada de COVID-19. Ao decretar uma pandemia, a OMS alertava para a necessidade dos países adotarem medidas de prevenção e combate ao Novo Coronavírus. E de lá para cá, pudemos observar o aumento do número de casos no planeta em mais de dez vezes, saltando de aproximadamente 120 mil casos para um total de mais de 3 milhões e 500 mil casos. Quando olhamos para o número de mortes, tínhamos registradas cerca de 4300 mortes no globo, enquanto hoje já chegamos à marca de 250 mil mortes. 

A China foi o primeiro epicentro dessa pandemia, mas hoje é o Estados Unidos que ocupa esse espaço. Ao longo desse tempo, pudemos enxergar uma situação de caos na Itália. Ao mesmo tempo, países como Coreia do Sul e Alemanha têm atravessado a situação de maneira controlada. Compreender as diferentes estratégias adotadas nesses países é um caminho para traçarmos o que deveríamos fazer no Brasil, e avaliar o que já foi feito até então.

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Os primeiros registros da COVID-19 foram notificados na China ainda em Novembro de 2019, na cidade de Wuhan. Nesse primeiro momento, no entanto, os casos eram registrados como de uma pneumonia, de origem viral desconhecida. Apenas em Janeiro que, junto da OMS, anunciariam que as causas das infecções eram causadas por um novo vírus, do tipo corona. A evolução dos casos na China será objeto de outro texto, mas nota-se que entre Dezembro e Janeiro o número de casos evoluiu rapidamente, alcançando quase uma centena em menos de um mês. Nesse contexto, antes mesmo da declaração de quarentena pela OMS, o governo chinês decretou quarentena total na cidade de Wuhan e outras cidades próximas, ainda em 23 de janeiro. Todos estabelecimentos foram fechados, exceto os de venda de alimentos e medicamentos; veículos eram barrados em estradas, o transporte público foi reduzido. Chegou-se inclusive a fazer uso da força policial para garantir que as pessoas ficassem em casa, ação combinada com um esforço em termos de uso de tecnologia de monitoramento social, para identificar locais que as pessoas frequentaram e se estiveram expostas ao vírus. Além disso, o governo chinês foi ágil em mobilizar o sistema de saúde para as áreas mais afetadas, deslocando médicos para a região e construindo hospitais em poucos dias para aumentar o número de leitos disponíveis.

Construção de novo hospital na China durou apenas 10 dias. Reprodução EuroNews.

 

Essas medidas foram criticadas por diversos países por serem consideradas muito duras, mas a experiência prévia com o surto de SARS em 2003 foi determinante para que a China optasse por tal estratégia. A proximidade das festividades do Ano Novo Chinês também foi importante, pois é uma época onde as pessoas se deslocam muito internamente, e havia uma grande preocupação de que o vírus pudesse se espalhar pelo restante do país. O fato é que em 19 de março, quase dois meses depois de se decretar a quarentena, a China conseguiu controlar a evolução do surto, e deixou de registrar novos casos por contaminação doméstica no país

O caso sul-coreano é interessante, pois de modo semelhante à China, o país conseguiu controlar a disseminação da doença em seu território, ainda que sua estratégia contraste com a chinesa, particularmente no que se refere na restrição de mobilidade. O primeiro caso registrado na Coreia do Sul foi em 20 de janeiro, e no mês de fevereiro o país chegou a ser o maior epicentro fora da China, o que a tornou um exemplo para outras nações. Para alcançar tal objetivo, a Coreia do Sul adotou uma estratégia baseada na realização de testes em massa na população, incluindo pessoas que não apresentavam sintomas. 

Para isso, o governo organizou uma estrutura de testes em um sistema parecido com o de drive thru: as pessoas podem ir até esses postos com seus carros, onde amostras são coletadas sem que seja necessário sair dos veículos. Os resultados são enviados algumas horas depois para as pessoas, via mensagem de texto. Com esse sistema, o país passou a realizar cerca de 10 mil testes por dia, o que garantiu uma visão ampla sobre a situação de contágio no país. A partir disso, o governo sul-coreano pôde isolar pessoas específicas, sem afetar profundamente a atividade econômica do país. Outro recurso importante foi o uso intensivo de tecnologias, para informar a população sobre o vírus e sobre os riscos de contágio. A população era notificada pelo celular caso tivesse cruzado com alguém ou frequentado o mesmo lugar que alguém contaminado, o que chegou a gerar algumas tensões dentro da sociedade, pois a partir disso era possível saber inclusive se um vizinho seu estava ou não contaminado, o que tem gerado discussões em torno de invasão de privacidade.

 

Médico e agentes de saúde realizando testes em massa em civis, em Seoul, Coreia do Sul. Fevereiro de 2020. Jung yeon-JE/AFP.

 

Passando para o cenário Europeu, a Alemanha aparece como um dos países que melhor tem enfrentado a situação, em um claro contraste com a situação na Itália. A Alemanha era, em 04 de Maio, o sexto país em número de casos no mundo, com cerca de 165 mil pessoas contaminadas, mas apresentava apenas 7 mil mortes, sendo uma das menores taxas de letalidade pela COVID-19 no mundo. Em termos comparativos, a Itália registra nessa mesma data cerca de 205 mil casos, e a marca de 27 mil mortes. 

Entre as explicações para tais diferenças, levanta-se a questão da identificação precoce da doença no país. Ao contrário da Itália, onde os primeiros casos foram registrados quando já havia algum grau de disseminação da COVID-19 internamente, na Alemanha o chamado “paciente zero” foi identificado rapidamente, e as medidas de restrição puderam ser adotadas antes de uma disseminação maior do vírus. Outra explicação, e que ajuda a explicar a semelhança da escalada na Alemanha e na Coreia do Sul foi a adoção de testes em massa. Soma-se a isso o fato de que a maior parte as pessoas contaminadas na Alemanha serem jovens ou pessoas com menos de 50 anos. Por fim, é importante dizer que o sistema de saúde alemão é um dos melhores do mundo, com uma estrutura médico-hospitalar relativamente grande quando comparada a outros países. Ao olharmos para o número de leitos disponíveis, por exemplo, a Alemanha tem cerca de 8,3 leitos para cada 1 mil pessoas (em comparação, a Itália possui cerca de 3,2 leitos, e o Brasil, 1,95 leitos). Cabe destacar que apesar de todos esses fatores, o governo alemão não hesitou em adotar medidas duras de isolamento social, proibindo reuniões de mais de duas pessoas e aplicando multas a quem descumprisse as restrições. 

O caso italiano é um dos mais expressivos da pandemia do Novo Coronavírus, por ser o país Europeu com o maior número de mortes, e por ser o segundo país com maior número de óbitos registrados no globo – atrás apenas dos Estados Unidos. A Itália é um exemplo de como a falta de uma ação precoce pode prejudicar um país. No início do mês de março, quando o país registrava algumas dezenas de casos, governadores e prefeitos começaram a tomar medidas de prevenção, mas o primeiro-ministro do país, Giuseppe Conte acusou essas lideranças locais, sob o argumento de que estavam espalhando o caos no país. O que ocorreu a partir de então foi um crescimento exponencial do número de casos, e apesar de o primeiro-ministro italiano recuar e colocar todo o país em quarentena ainda em 9 de março, no final do mês de março a Itália já registrava cerca de 7 mil vítimas da COVID-19 – como dito anteriormente, o número de óbitos já ultrapassa os 28 mil atualmente. 

Caminhões do exército sendo utilizados para o carregamento de corpos, em Bérgamo, Itália. Reprodução O Globo.

 

O desenrolar da situação nos Estados Unidos não foi muito diferente, e foi assim, pela falta de ação no início da fase de contágio, que a maior economia do mundo se tornou o país com maior número de casos no globo, com pouco mais de 1,2 milhão de casos registrados e aproximadamente 68 mil mortes, em 04 de Maio. A postura inicial do governo de Donald Trump também foi a de negligenciar o Novo Coronavírus, afirmando diversas vezes entre Janeiro e Fevereiro que a situação estava sob controle, ainda que não estivesse tomando medidas para controlar a disseminação interna da doença, com medidas de isolamento social ou a implementação de testes. Outro fator que contribuiu com o espalhamento do contágio nos Estados Unidos foi a estrutura de seu sistema de saúde. Por ser um sistema baseado em planos privados, milhões de cidadãos americanos não têm acesso a qualquer forma de assistência médica. Nesse cenário, as pessoas deixam de ir ao hospital com medo de adquirir dívidas – essa situação se agrava quando se considera o caso de imigrantes sem documentos, que evitam o sistema de saúde sob o risco de serem deportados do país.

Em termos de disseminação da doença, o Brasil parece estar algumas semanas atrás do que os países analisados. Um conjunto de fatores explicam isso: (i) o primeiro caso brasileiro foi confirmado apenas em 26 de fevereiro, quase um mês depois da maior parte dos países citados anteriormente; (ii) a ação imediata e efetiva de alguns governadores na implementação de medidas de isolamento social, particularmente nos Estados de São Paulo e Rio de Janeiro. Apesar disso, a situação no Brasil é observada com ressalvas por membros da comunidade internacional, e os recentes dados sobre a redução no isolamento social no Brasil deveriam servir de alerta para a população e governantes, num contexto em que o pico de contágio não foi alcançado.

 

Centro da Cidade de São Paulo, a 10ª maior metrópole do mundo, vazia, devido a quarentena. Reprodução Exame.

 

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A avaliação das estratégias nacionais de prevenção à COVID-19 desde que a OMS decretou o status de pandemia nos permite dizer, desde já, que o combate ao Novo Coronavírus depende de uma combinação de ações, e de que em todos os casos, não existem soluções rápidas. Esse último mês nos informa, também, sobre os riscos de não se fazer nada contra a doença. 

A partir dos casos da China, Coreia do Sul e Alemanha pode-se concluir que entre as medidas que apresentam maior eficácia no combate ao Novo Coronavírus estão as políticas de teste em massa da população e a adoção de práticas de isolamento social, combinadas com uma boa organização do sistema de saúde do país para o tratamento dos contaminados. Os testes, por garantirem que se tenha uma dimensão real do espalhamento do vírus na população, e o isolamento social como forma de evitar o contágio, especialmente por meio dos assintomáticos. Tais medidas contribuem para que o sistema de saúde não se sobrecarregue, e todos os infectados possam ser devidamente tratados.

Evitar a disseminação da doença depende, em grande parte, das ações tomadas pelos governos, pois são eles quem orientam as políticas, mas do ponto de vista individual, o que podemos fazer no momento é seguir a recomendação e o exemplo daquilo que tem dado certo: ficar em casa.

 

Escrito por Gustavo Rodrigues Lemos

 

As referências estão dispostas por hiperlinks no texto.