CoronaVac, a vacina da ciência

Sofia Castanon

Reprodução G1 Globo.

Peste bubônica, cólera, varíola, gripe suína e gripe espanhola são apenas alguns exemplos das maiores pandemias que assolaram o mundo, mas uma das principais diferenças entre esses surtos e a atual pandemia do coronavírus é a velocidade de propagação do vírus, além da época em que estão inseridas. O coronavírus pode não ser uma das doenças mais letais que já acometeram a humanidade, porém seu potencial de contaminação, inserido em um momento da história onde a mobilidade de pessoas em torno do planeta tornou-se rápida e acessível, fez com que o vírus adquirisse proporções pandêmicas rapidamente. Diferente das pandemias e epidemias mais recentes, como a gripe suína, MERS e SARS (epidemias cujo epicentros foram China e Oriente Médio) o surto de COVID-19 mostrou-se de difícil controle, tendo de ser impostas medidas restritivas em comércios, escolas e áreas de possíveis aglomerações, isolamento social, distanciamento social, uso de máscaras e álcool em gel, e dando a entender que a forma mais viável e eficaz para sair dessa situação seja o desenvolvimento  e aplicação de uma vacina em toda a população mundial.

Desde então iniciou-se uma corrida em busca da vacina em todo o mundo; em março de 2020 existiam mais de 100 possíveis vacinas em estudo, apenas 4 meses após o primeiro caso de COVID-19. Essa quantidade relativamente alta de estudos só foi possível graças ao alto investimento emergencial de alguns governos em todo o planeta. A crise econômica mundial fez com que bilhões de dólares de fundos privados e estatais apostassem em apenas uma solução para a pandemia: a vacina. Porém, é importante evidenciar o tempo de produção de um imunizante. Os menores tempos entre o início de um estudo e o primeiro teste em humanos foram, contra SARS-CoV, em 23 meses; contra o Ebola, em 7 meses; e contra o Zika vírus, em 6 meses, sendo que algumas nunca passaram das fases de teste. Já para o vírus SARS-CoV-2, da COVID-19, foram apenas 65 dias para o primeiro teste em humanos. A possibilidade dessa rapidez deu-se por dois principais motivos – o alto investimento emergencial, e o estudo desde 2003 da vacina contra os vírus SARS-CoV e MERS-CoV, responsáveis pelas epidemias de SARS e MERS, cuja a similaridade genética com o vírus SARS-Cov-2 é de 96%.


Reprodução O GLOBO.

No Brasil, a crise política e o negacionismo sobre a gravidade da pandemia do coronavírus tem atrapalhado o plano de imunização nacional e produção cientifica nessa área. Devido a estes fatores, os estudos de possíveis imunizantes, que seriam passiveis de desenvolvimento dentro de universidades, não tiveram suas pesquisas continuadas dado o baixo investimento federal e estadual, porém, a necessidade de um imunizante nacional em um país cuja população ultrapassa os 200 milhões de habitantes e atualmente um dos epicentros da doença, foram motivos mais do que necessários para a urgência de providências em relação a imunização nacional. Em meio a esse contexto de crise no Brasil, o Instituto Butantan, centro de pesquisas biológicas ligado à Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo, desenvolveu uma parceria junto ao laboratório chinês Sinovac Biotech, uma empresa biofarmacêutica localizada em Pequim, para o estudo, testagem e produção da vacina Coronavac. 

 A vantagem do trabalho em paralelo à Sinovac ocorre pelo fato do laboratório já possuir estudos de possíveis vacinas que protegeriam dos vírus SARS-CoV e MERS-CoV, ambos da família dos “coronavírus”. A presença desses estudos no portfólio do laboratório possibilitou o aumento da velocidade de desenvolvimento e análise de uma vacina contra a COVID-19. Porém, além desses fatores, a velocidade de produção e distribuição da vacina para toda a população depende de um rigoroso processo de vigilância sanitária e aprovação dos resultados dos testes clínicos. Para isso, os laboratórios responsáveis devem fornecer toda a documentação da pesquisa elaborada para a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), órgão regulador brasileiro, que assim deve analisar toda a documentação, verificar e garantir a segurança da vacina, para que possa haver a aprovação e registro do imunizante. Porém, este é um dos processos mais demorados da regularização da vacina. A velocidade de aprovação no contexto atual da pandemia só foi possível por conta da alteração nos procedimentos de aprovação. Essa alteração não significa flexibilização, mas sim que os procedimentos de aprovação foram iniciados durante o estudo da vacina, ou seja, enquanto o Instituto Butantan coordenava os testes de terceira fase da vacina em todo o Brasil, documentos já eram encaminhados para análise pela ANVISA, e vistorias eram feitas pelo órgão regulador na sede do laboratório Sinovac, em Pequim. A vacina não está registrada no projeto de imunização nacional, sua aprovação é para uso emergencial, isto é, a ANVISA segue analisando os pacientes nos quais a vacina está sendo aplicada.

A vacina provou-se segura e eficaz dentro dos parâmetros da Organização Mundial da Saúde (OMS), isto é, supera a eficácia mínima de 50%, estipulada com base na gravidade da pandemia de COVID-19. Sendo assim, vacinas com intervenções de 30%, ou 40% de eficácia seriam muito úteis, porém considerando o gasto e o trabalho necessário para imunização, os especialistas da OMS definiram 50% como um valor mínimo. 

A Coronavac é uma vacina que utiliza a tecnologia do vírus inativado. Neste caso, o vírus é cultivado e multiplicado numa cultura de células e após inativado (não sendo capaz de contaminar pacientes) por calor ou produto químico, por fim podendo gerar anticorpos. Sua testagem clínica, assim como prevê o protocolo da OMS, foi constituída de 3 fases com humanos, sendo a primeira fase feita com 400 pessoas na China e a segunda fase com 744 vacinados também na China; nesta fase foi constatado o potencial da vacina em produzir mais de 90% dos anticorpos capazes de neutralizar o vírus, isto é, de 100 anticorpos que o seu corpo produzir para o combate ao coronavírus, 90 deles, ou mais, terão aptidão para neutralizar o vírus.

A fase 3, no Brasil, foi coordenada pelo Instituto Butantan, que vacinou 13060 voluntários (metade recebendo placebo, e a outra metade a vacina), todos da área da saúde, sendo majoritariamente médicos da linha de frente contra a COVID-19. Com os testes finalizados os resultados foram promissores: a vacina possui 50,38% de eficácia, 77,96% para casos muito leves, e 100% para casos graves. Ou seja, em uma pessoa saudável, existe a chance de apenas 50,38% dessa pessoa ser contaminada; caso ela for contaminada, existe a chance de 78% de ser uma doença muito leve, e 100% de chance de não precisar ser hospitalizada. A eficácia tão “baixa” da Coronavac foi constatada por conta do seu ambiente de testagem: os voluntários eram todos profissionais da saúde que trabalharam em contato direto com pacientes contaminados, sendo alta a incidência e circulação do vírus no ambiente, tornando assim a eficácia menor do que de outras vacinas, que não foram testadas em ambientes de alto contágio.


Reprodução Instituto Butantan.

Além disso, foi evidenciado que apenas 5,3% dos voluntários de fase 3 tiveram efeitos colaterais após aplicação da Coronavac, sendo dor no local da aplicação, dor de cabeça, fadiga e febre leve os principais. Desta forma o imunizante é, até o momento, o mais eficaz em termos de efeitos colaterais, por estes serem brandos e leves. É importante indicar que ao ser vacinado o paciente ainda é passível de transmitir a doença para pessoas não vacinadas. Logo, as medidas de prevenção devem ser mantidas para que o processo de retomada às atividades normais possa ser o mais seguro possível e que dessa forma possamos, com o tempo, neutralizar a pandemia da COVID-19.


REFERÊNCIAS

Governo do Estado de São Paulo. Instituto Butantan,2021. Blog sobre a vacina contra Covid-19. Disponível em: < https://vacinacovid.butantan.gov.br/index >. Acesso em: 18 jan. 2021.

Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária, 2021. Blog sobre a vacina contra Covid-19. Disponível em: < https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/paf/coronavirus >. Acesso em: 18 jan. 2021.

Explicando o Coronavírus. 1ª Temporada. 2º Episódio. Direção: Claire Gordon, Joe Posner, Ezra Klein, Chad Mumm, Mark W. Olsen. Produção: Sara Masetti, Sam Ellis, Marie Cascione. Netflix. Estados Unidos da América, 2020 (23 min), son., color. Netflix. Acesso em 19 jan. 2021.