Pandemia de Coronavírus: A tormentosa travessia (V.3, N.4, P.1, 2020)

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    As desigualdades existentes no Brasil irão determinar a ordem e a dimensão dos atingidos pelo novo Coronavírus, ainda que ninguém esteja imune a ele.

 

    Não há dúvidas que a crise do novo Coronavírus nos traz inúmeros problemas, preocupações e motivos para medos, tristezas, pânicos e paranoias, individuais e coletivas. Recebemos diariamente muitas mensagens que informam, por muitos pontos de vista diferentes, a tragédia que assola países ricos e ameaça devastar países menos ricos e extremamente desiguais, como o Brasil.

 

   Além da previsão de que centenas de milhares ou até mesmo de milhões de vidas de brasileiros estarão em risco nos próximos meses (1), a pandemia certamente irá provocar um grande aprofundamento da crise econômica, da crise social e da crise política que já vinham atingindo nosso país nos últimos anos.

 

    Segundo os estudos da OXFAM (Oxford Committee for Famine Relief), o Brasil é um dos países mais desiguais do mundo. De acordo com um relatório publicado em 2017, apenas 6 pessoas possuem a mesma riqueza que os 100 milhões de brasileiros mais pobres. De acordo com a entidade: “os 5% mais ricos detêm a mesma fatia de renda que os 95% demais . Por aqui, uma trabalhadora que ganha  um salário mínimo por mês levará 19 anos para receber o equivalente aos rendimentos de um super-rico em um único mês” (2).

 

    No país, há mais de 6 milhões de famílias sem moradia digna, cerca de 35 milhões de brasileiros sem acesso à rede de abastecimento de água potável e 100 milhões de pessoas sem serviços de esgotamento sanitário. Em 2019, o Brasil atingiu a marca de 38,8 milhões de trabalhadores na informalidade, o que representa mais de 41% da sua força de trabalho, enquanto o desemprego tem aumentado significativamente nos últimos anos e afeta principalmente áreas que já são marcadas pelo baixo investimento, agravando a situação da economia e a capacidade de consumo de itens básicos para a sobrevivência. Na cidade de São Paulo, a população de rua nunca foi tão alta… São cerca de 24 mil pessoas, o que corresponde um aumento de 53% em relação ao último levantamento realizado quatro anos antes.

 

    Sob os governos Temer e Bolsonaro, tomou-se como foco o estímulo às políticas ultraneoliberais, buscando com ritmo aceleradíssimo as vendas de estatais, privatizações, terceirizações, cortes de investimentos públicos e ataques diretos ao sistema de bem-estar social, que vinha sendo construído desde a redemocratização do país, sob a Constituição de 1988.

 

    A chegada recente do Coronavírus parece chacoalhar a realidade dos países por onde ele passa e espalha-se com velocidade impressionante, pois é assustador constatar suas consequências por países como Itália, Espanha e EUA.

 

    E nós, no Brasil, estaríamos preparados para enfrentar a pandemia que pode mudar radicalmente a nossa sociedade? E as nossas cidades, estariam preparadas? Infelizmente, os dados mostram que não há razões para otimismo.

 

    O vírus que desafia a ciência ainda é pouco conhecido, não havendo vacinas e tratamentos efetivos até o momento. Ninguém está imune, certamente, assim como é possível afirmar que a pandemia não atingirá a todos de forma igual, pois a população brasileira é marcada por gigantesca desigualdade em termos de condições de moradia, trabalho, saneamento, educação, acesso aos sistemas de saúde, compra de medicamentos, acesso às consultas médicas, acesso à informação, práticas saudáveis de esportes, acesso a alimentos saudáveis, entre inúmeros outros fatores.

  Todos estão vulneráveis no percurso da tormentosa travessia, mas em graus muito diferentes. 

 

Francisco Comaru

Professor Associado da Universidade Federal do ABC

Coordenador Laboratório Justiça Territorial

Integrante da Rede BR Cidades

 

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