Isso não tem lógica nenhuma! (V.2, N.10, P.11, 2019)

Tempo estimado de leitura: 8 minute(s)

Divulgadores da Ciência:  Sandro Rodrigo Gonçalves Bastos e João Ranhel

 

Certamente você já escutou a frase do título antes. Outra que vivemos dizendo é: “Mas é lógico!”. O que pode ser tão lógico para a gente pressupor todo mundo consegue entender sem precisar de explicações? Ao longo da história surgiram vários tipos de abordagens para compreender e explicar a lógica, então, vamos viajar no tempo para tentar entender o que são essas “lógicas”.

 

O que chamamos de “lógica clássica” nasceu na Grécia antiga com Aristóteles, no século IV a.C. Os trabalhos de Aristóteles e seus discípulos sobre a “lógica aristotélica” estão reunidos na obra Organon, em que encontramos, no capítulo “Analytica Priora”, a parte essencial da lógica. Nesta obra, Aristóteles estabeleceu um conjunto de regras rígidas para que as conclusões pudessem ser aceitas como logicamente válidas.

 

Escultura de Aristóteles, Fonte: Pixabay

 

Era uma linha de raciocínio lógico baseado em premissas e conclusões, do tipo: se é observado que “todo ser vivo é mortal” (premissa 1), e a seguir é constatado que “o leão é um ser vivo” (premissa 2) temos que “o leão é mortal” (conclusão). Visto dessa forma, a lógica pode ser interpretada como sendo o “estudo das leis dos raciocínios válidos”, isto é, as formas de pensamento que resultam nas conclusões corretas e verdadeiras.

 

A lógica de Aristóteles é baseada em três princípios:

 

1) Princípio da identidade: Toda proposição ou objeto é idêntico a si mesmo.

 

2) Princípio da não contradição: Uma proposição não pode ser verdadeira e falsa ao mesmo tempo.

 

3) Princípio do terceiro excluído: Toda proposição é verdadeira ou falsa, não havendo outra possibilidade.

 

A Lógica Clássica é binária, ou seja, uma declaração pode ser apenas uma de duas coisas:  ou falsa ou verdadeira. Porém, no mundo real nem todas as situações podem ser classificadas como falsas ou verdadeiras. Em alguns casos, as informações são incertas, imprecisas ou inconsistentes e com muitos dados para se fazer a seleção e considerar quais são relevantes. Para dar respostas satisfatórias em situações difíceis de serem tratadas pela Lógica Clássica, foram criadas as Lógicas Não Clássicas.

 

Um exemplo é a Lógica de Predicados, também chamada de Lógica de Primeira Ordem, que é um sistema que estende a lógica clássica, acrescentando o conceito de quantificação. Dada uma sentença, são introduzidos os conceitos de quantificador universal, que significa “para todo x” e de quantificador existencial, que significa “para algum x”. O resultado de uma sentença deve ser sempre verdadeiro ou falso. Note que x pode ser qualquer coisa, por exemplo, x = leão, então se pode afirmar: todo leão vivo respira; ou algum leão abateu uma zebra hoje.

 

Outra extensão da lógica clássica é a Lógica Modal, que considera os diferentes modos nos quais uma declaração pode ser verdadeira, suportando as expressões “é possível que” e “é necessário que”. A lógica modal surgiu de uma necessidade básica para justificar expressões como “Fulano crê que a terra é plana”. Ainda que a grande maioria das pessoas saiba que a terra não é plana, é verdadeira a afirmação que Fulano realmente crê naquilo.

 

Também existem outras categorias de lógica que restringem ou modificam alguns princípios da lógica tradicional, como a Lógica Fuzzy e a Lógica Paraconsistente.

 

A lógica fuzzy busca modelar o raciocínio humano, com o objetivo de criar sistemas de decisão baseados em informações incertas e imprecisas. Foi criada por Lofti A. Zadeh em 1965, professor de engenharia elétrica e ciência da computação na Universidade de Berkeley, Califórnia. A lógica fuzzy também é conhecida como lógica multivalorada, pois permite a existência de diversos valores entre o estado verdadeiro e falso, flexibilizando a pertinência de elementos aos conjuntos, ou seja, permitindo que um determinado elemento possa pertencer parcialmente a um conjunto. Nessa teoria, é atribuído um grau de pertinência no intervalo [0,1] para cada objeto analisado, indicando o grau de pertencimento desse objeto à um conjunto com determinadas características. Um exemplo seria um conjunto de pessoas altas. João, com 1,80m, pode ser considerado alto com grau de pertinência 1,0; José, com 1,70m, pode ter grau de pertinência 0,80; e Pedro, com 1,50m pode receber um grau de pertinência zero.

 

Outra lógica muito interessante é a denominada Lógica Paraconsistente, que, de alguma forma, aceita a contradição em seus fundamentos, revogando o princípio da não contradição. Por volta de 1910, o russo Nikolai A. Vasilév e o polonês Jan Lukasiewicz, publicaram independentemente trabalhos nos quais tratavam da possibilidade de uma lógica que restringiria o princípio da contradição. Em 1948, o lógico polonês Stanislaw Jaskowiski publicou suas ideias sobre lógica e contradição. Nesta mesma época, o lógico brasileiro Newton C. A. da Costa, desenvolveu a Lógica Paraconsistente. Jaskowiski e Newton C. A. da Costa são considerados pela comunidade científica mundial como os inventores da Lógica Paraconsistente.

 

Uma técnica bastante usada é a Lógica Paraconsistente com Anotação de Dois Valores (LPA2v), que possui a sua anotação representada por dois graus de evidência normalizados, o primeiro favorável à proposição que está sendo analisada e outro contrário. Por exemplo, vamos considerar a proposição P “A cerveja é boa”. Admita que o especialista 1 indica o grau de evidência favorável e o especialista 2 indica o grau de evidência desfavorável. Considerando apenas os graus de evidência 1 ou 0, podemos ter as seguintes situações.

 

– A anotação P(1,0) indica que a proposição “A cerveja é boa” tem evidência favorável total, estabelecendo um estado lógico Verdadeiro, pois o grau de evidência favorável é 1 e o grau de evidência desfavorável é 0.

 

– A anotação P(0,1) indica o oposto da primeira, que a proposição tem evidência desfavorável total, estabelecendo um estado lógico Falso (alguém avise o mestre cervejeiro, por favor!).

 

– A anotação P(1,1) indica que a proposição “A cerveja é boa” tem valores de evidência favorável e desfavorável contraditórios, estabelecendo um estado lógico Inconsistente.

 

– A anotação P(0,0) indica que a proposição estabelece um estado lógico Indeterminado.

 

E agora, o que devemos fazer nos estados lógicos Inconsistente e Indeterminado? O leitor que aprecia cerveja vai dizer: “vamos beber tudo e depois dar uma terceira opinião…”. Mas nesse caso só temos as opiniões dos dois especialistas para tomar uma decisão. É exatamente nessas situações que a lógica paraconsistente pode ser aplicada.

 

De forma geral, problemas que envolvem valores binários (verdadeiro ou falso) são muito bem trabalhados com a lógica clássica e suas técnicas derivadas, como a lógica de predicados de primeira ordem e a lógica modal. A Lógica Paraconsistente trabalha com conceitos mais próximos da realidade, pois nem sempre as grandezas do mundo físico podem ser classificadas apenas em verdadeiro ou falso. O resultado é uma ferramenta com a capacidade de manipular contradições e ambiguidades, resultando em maior robustez aos sistemas de inteligência artificial.

 

Aqui na UFABC, estamos realizando uma pesquisa para avaliar como redes neurais podem ser “calibradas” por meio de lógica Paraconsistente, ou como as redes neurais conseguem inferir respostas quando elas são Paraconsistentes. Para quem é novato no assunto, rede neural artificial é um paradigma de aprendizado de máquina, muito usado em Inteligência Artificial. Mas, é lógico, isso é outro assunto.

 

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