O Prêmio Nobel de Química de 2017 – Crio-Microscopia Eletrônica (V.1, N.4, P.3, 2018)

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O prêmio Nobel de Química de 2017 foi concedido aos pesquisadores Jacques Dubochet, Joachim Frank e Richard Henderson pelo estudo: “desenvolvimento da crio-microscopia eletrônica para a determinação da estrutura de alta resolução de biomoléculas em solução”.

 

As biomoléculas são compostos, em sua grande maioria orgânicos, sintetizados pelos seres vivos como proteínas, ácidos nucléicos, lipídeos, carboidratos, etc. Essas biomoléculas participam da estrutura e dos processos bioquímicos de todas as células vivas. A determinação da estrutura molecular de uma biomolécula é necessária para compreender detalhadamente a sua função biológica e, consequentemente, o seu papel no funcionamento de uma célula viva. As primeiras estruturas moleculares de biomoléculas foram determinadas no início da década de 50 pelos pesquisadores Max Perutz e John Kendrew utilizando a técnica de cristalografia de raios X. Eles determinaram as estruturas moleculares de alta resolução das proteínas hemoglobina e mioglobina e receberam, por esses feitos, o prêmio Nobel de Química em 1962. O grande gargalo para aplicação da técnica de cristalografia de raios é a necessidade de obtenção de um monocristal (por exemplo, de proteína) que difrate a alta resolução.

 

Os avanços obtidos pelos pesquisadores Jacques Dubochet, Joachim Frank e Richard Henderson permitiram à determinação estrutural de biomoléculas (não cristalinas) em solução a alta resolução [alguns angstrons (Å), 1 Å = 10-10 m] utilizando um microscópio eletrônico de transmissão onde imagens de partículas biológicas únicas (“single-particle”) a temperatura criogênica (temperaturas inferiores a -150 oC) são obtidas. Por esses importantes avanços na área de estrutura molecular de biomoléculas, esses pesquisadores foram laureados com o prêmio Nobel de Química de 2017. Na técnica de crio-microscopia eletrônica (cryo-EM, do inglês CRYO-Electron Microscopy) não é necessário obter a biomolécula no estado cristalino, pode-se estudar qualquer complexo biológico (complexos gigantes formados por muitas proteínas, complexos de proteína com ácidos nucléicos, organelas, vírus, etc.) e a estrutura molecular é determinada em solução.

 

No microscópio eletrônico de transmissão convencional não é possível estudar material biológico sem a “destruição” do mesmo devido à incidência do intenso feixe de elétrons1. Assim, para evitar a “destruição” da amostra biológica foi necessário o desenvolvimento de uma nova técnica de preparação de amostras. Outro grande problema era como preservar a água na amostra biológica no vácuo mantido dentro da câmara do microscópio eletrônico de transmissão. O baixíssimo contraste da imagem do material biológico (a maioria dos elétrons de alta energia do feixe passam diretamente através da amostra), a necessidade de manter uma baixa dose de elétrons para evitar danos à amostra biológica, a necessidade de amostras finas e o movimento das biomoléculas ao interagir com os elétrons do feixe eram outros desafios a serem superados.

 

A primeira metodologia proposta para tentar superar os desafios descritos acima foi à técnica de coloração negativa (“negative staining”), onde o material biológico é incorporado em uma fina película de um sal de metal pesado (por exemplo, o acetato de uranila) que gera um molde ao redor da biomolécula2-4. A película é mais resistente aos danos dos elétrons do feixe, espalha os elétrons mais eficientemente do que o material biológico e evita o colapso do material biológico quando inserido no vácuo da câmara do microscópio eletrônico de transmissão. Essa abordagem ofereceu informações detalhadas sobre a morfologia de bactérias, vírus e organelas. Porém, para estudos de biomoléculas únicas (“single-particle”) ou complexos biomoleculares, na melhor das hipóteses, as imagens podiam revelar apenas o envelope de baixa resolução das biomoléculas cobertas pela película de átomos pesados. Contudo, as instrumentações experimentais e ferramentas de bioinformática desenvolvidas para a determinação de estruturas moleculares tridimensionais a partir de projeções bidimensionais no microscópio eletrônico de transmissão, utilizando a metodologia de coloração negativa, estabeleceu a base para os avanços alcançados atualmente.

 

Outra metodologia proposta foi o congelamento das amostras biológicas para os estudos de cryo-EM5. Porém, após o congelamento, a água formava cristais de gelo que difratavam fortemente os elétrons do feixe, destruindo assim os sinais provenientes da amostra biológica. Uma forma de contornar esse problema poderia ser arrefecer o material biológico suficientemente rápido para preservar a água em um estado amorfo líquido (estado denominado de água vitrificada). A amostra então foi preparada pulverizando o material biológico a ser estudado em uma grade de carbono, em seguida a grade foi rapidamente imersa em etano liquido (ou propano) e posteriormente mantida congelada em nitrogênio líquido.

 

Em 1990 Henderson e colaboradores6 mostraram pela primeira vez que era possível determinar estruturas moleculares de biomoléculas a alta resolução, utilizando a técnica de cryo-EM, através da média de muitas cópias (imagens) da mesma partícula. No trabalho de Henderson e colaboradores, a determinação da estrutura molecular da proteína bacteriorodiopsina baseou-se na análise de milhões de moléculas da proteína em estudo. Nos anos seguintes as estruturas moleculares de alta resolução das proteínas tubulina7 e aquaporina8 também foram determinadas pela técnica de cryo-EM. Atualmente, a técnica de cryo-EM é uma realidade para a determinação de estruturas moleculares de biomoléculas em solução (“single-particle”) que não requer cristalização (um gargalo para aplicação da técnica de cristalografia de raios X), empregada quantidades muito pequenas de material e abrange uma ampla gama de tamanhos, desde biomoléculas pequenas como a proteína hemoglobina [diâmetro de alguns nanômetros (nm), 1 nm = 10-9 m] até partículas muito grandes como organelas e vírus (com diâmetro de centenas de nm).

 

Referência

  1. Marton, L (1934) Electron microscopy of biological objects. Nature 133: 911-911.
  2. Hall, CE, Jakus, M A, Schmitt, FO (1945) The structure of certain muscle fibrils as revealed by the use of electron stains. J. Applied Physics 16: 459-465.
  3. Brenner, S, Horne, RW (1959) A negative staining method for high resolution electron microscopy of viruses. Biochim. Biophys. Acta 34: 103-110.
  4. Huxley, HE, Zubay, G (1961) Preferential staining of nucleic acid-containing structures for electron microscopy. J. Biophys. Biochem. Cytology 11: 273-296.
  5. Fernández-Morán, H (1960) Low-temperature preparation techniques for electron microscopy of biological specimens based on rapid freezing with liquid Helium II. In Annals of the New York Academy of Sciences 85: 689-713.
  6. Henderson, R, Baldwin, JM, Ceska, TA, Zemlin, F, Beckmann, E, Downing, KH (1990) Model for the structure of bacteriorhodopsin based on high-resolution electron cryo-microscopy. J. Mol. Biol. 213: 899-929.
  7. Nogales, E, Wolf, SG, Downing, KH (1998) Structure of the αβ tubulin dimer by electron crystallography. Nature 391: 199-203.
  8. Murata, K, Mitsuoka, K, Hiral, T, Walz, T, Agre, P, Heymann, JB, Engel, A, Fujiyoshi, Y (2000) Structural determinants of water permeation through aquaporin-1. Nature 407: 599-605.

 

Prof. Dr. Wanius José Garcia da Silva
L603 – Laboratório de Biofísica Molecular
Centro de Ciências Naturais e Humanas (CCNH)
Universidade Federal do ABC (UFABC)

 

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1 Resultado

  1. Pedro Miguel disse:

    Olá,
    Recomendo vivamente o seu blog/site.
    Gostei muito do seu Post.
    Obrigado
    Pedro Miguel

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